sábado, 22 de outubro de 2016

Construindo uma Locomotiva a Vapor

Tipo " Northern"

Após 10 anos de haver terminado a construção de uma locomotiva tipo "Pacific",    o Sr. Arnaldo Bottan conseguiu meter na minha cabeça de eu iniciar a construção de uma locomotiva do tipo "Northern", cuja rodagem em termos americanos é  4-8-4, e em europeu é B-D-B, ou seja: ela tem um truque dianteiro com quatro rodas, com suspensão independente, tem 8 rodas motrizes com suspensão compensada, e um truque traseiro tipo "commonwelth" com 4 rodas e suspensão  também compensada. O nome dessa máquina é "Columbia" e imita uma locomotiva tipo “ Northern"  americana possivelmente da Baldwin, e que, a cerca de trinta e cinco anos atrás, ele e seu irmão Pedro, construíram. Ficaram todos os moldes de fundição lá na casa dele desde então. Quatro pretensos modelistas tentaram construir a máquina, mas sem sucesso. Sei quem são mas não vamos citar nomes. O Arnaldo forneceu parte dos fundidos a esses pretensos modelistas, mas só ficou nisso. Eu forneci os desenhos a dois deles, mas nada fizeram.




Essa locomotiva foi projetada para ser de uma bitola de 3,5 polegadas e que equivale em milímetros a 88,9 . Sua escala para um trilho de  4 pés ,e 8 polegadas e meia, ou 1.435 mm (padrão inglês e americano de ferrovias) ficaria com a proporção de 1:16, mas transportada para uma bitola de 1 metro, que é a maioria no Brasil, fica na escala de 1: 11,25.  É esquisito mas é isso aí,  quem fez pela primeira vez no Brasil, optou por essa bitola;  o Arnaldo.

Construir uma locomotiva requer um conhecimento muito extenso em mecânica.  Ser hábil em torno e em fresadora, ser hábil em soldagem, seja ela elétrica ou com maçarico, seja a prata ou latão, ou mesmo ferro doce, enfim, o que tenho a dizer é que  no Brasil somente três pessoas começaram e fizeram suas respectivas locomotivas funcionarem direitinho. Foram os irmãos Bottan, o Pedro e o Arnaldo e eu que estou escrevendo esse artigo. Os demais desistiram pelo meio do serviço.

Se eu vou terminar o serviço também não sei, dado que no presente momento estou com 76 anos uma saúde bem precária, muitas coisas não consigo mais fazer. Como por exemplo soldar a caldeira, alguém vai ter que me ajudar ou então fazer o serviço. Ela pesa cerca de 28 kilos, e eu não consigo suspender siquer do chão uma peça dessas, então como vou fazer para construí-la?

Os serviços foram começados em 14 de janeiro de 2014. A primeira coisa que foi feita ou melhor, mandada a fazer, foi o langerão, para  quem não sabe, é o chassi  da máquina. O desenho original que é inglês e de um famoso modelista, de nome Martin Evans ; foi escaneado, colocado em Cad. , e levado para ser recortado em máquina de corte a  jato d'água .

A peça foi recortada de uma chapa laminada quente (preta)  de 9,8 mm de espessura de aço tipo 1010. (macio e moldável) veja foto correspondente, é a primeira do texto.

A peça saiu uma perfeição e economizou no mínimo 2 meses de serviço ou seja , cento e tantas horas de serviço. A segunda operação foi a fresagem dessa mesma peça, para fazer os alojamentos dos balancins da suspensão. A terceira operação foi a fresagem dos suportes das sapatas de freios, que servem também de mancais dos balancins da suspensão.

Continuando, foram feitas as furações necessárias à fixação de todas as peças que irão ser fixadas nesse langerão. No que se refere as faces, sendo que as de topo, somente as das sapatas fixadoras dos mancais das rodas principais, as demais, serão fixadas durante a montagem, e usando-se o ardil de usar a peça a ser colocada como gabarito de furação.

O projeto e desenho vieram em medidas chamadas imperiais,  melhor explicando, é em pés e polegadas e as roscas e parafusos em sistema BA (British Association) e quase todos passados para o sistema métrico. Sempre existe um diâmetro bem próximo ao indicado em desenho, porém em sistema métrico. Isso facilita a compra dos parafusos já prontos e a compra de machos e cossinetes aqui no Brasil, dado que só na Inglaterra se consegue comprar em sistema Inglês. Algumas roscas estão em ME ( Model Egeneering) que é um padrão inglês específico para modelos reduzidos.

Continuando, porém sem uma seqüência lógica, foram torneadas as rodas,  os eixos, e nestes se fazem as devidas chavetas, o que não é nada fácil. O fato se prende ao seguinte: as braçagens que movimentam as rodas estão fixadas às rodas, e o erro máximo admissível é de 3 centésimos de mm, senão, elas travam em dos pontos de rodagem. Imagine fazer isso em 8 rodas que sejam exatamente do mesmo tamanho e todas torneadas com torno mecânico e usando somente o paquímetro como padrão. E a furação dos pinos motrizes? Um  pequeno erro e se joga tudo fora!

Os mancais das rodas motrizes também é um problema sério, se saírem fora de medida, também vai dar problema na braçagem. Lembre-se, aí também o erro é o mesmo, ou seja, 3 centésimos de mm.

Se for conseguido que após a montagem das rodas a braçagem gire redondinha, se considere um fenômeno em mecânica.

Para se montar rodas, eixos e mancais, é necessário que se monte também a suspensão, que como já citei é do tipo compensada, ou seja, ao se movimentar uma roda, as demais farão um movimento inverso para compensar a força aplicada a ela, distribuindo dessa forma, a carga exercida em todas as rodas de tração, mais o truque traseiro.

A suspensão é composta de 8 molas do tipo lâminas sobrepostas; iguais as usadas em caminhões atualmente, e também em truques de carro de passageiros.

Molas são feitas com aço do tipo 1075 (aço mola), e nessa locomotiva foi usada uma serra de fita para madeiras já desafiada, foram esmerilhados os dentes, recozida para perder a têmpera, feita a devida furação, e retemperada no ponto certo da flexibilidade necessária. A lâmina maior tem 8 mm de largura e 75 mm de comprimento e o feixe tem quatro  lâminas de aço e cinco de fenolite entre elas.

A suspensão tem três balancins de cada lado e um total de 24 "links" (semelhantes a bielas chatas) ligando as molas aos balancins.

As molas apóiam sobre um cavalete em forma de U e este diretamente sobre o mancal, que é feito em bronze duro.

Agora chegou a hora de se fazer os pinos motrizes das rodas. Estes estão cravados às rodas. Para se fazer isso, é necessário muita paciência. Para se cravar um pino de aço a uma roda em ferro fundido cinzento, é necessário antes, fazer um furo no local exato na roda de ferro fundido, e mais, todas as 8 rodas devem ser idênticas no que se refere a distância entre o eixo da roda e o furo onde será cravado o pino motriz. Erro máximo admitido, também 3 centésimos de mm. Fazer isso é obra para “experts”, não é fácil , o furo deve ser feito inicialmente com broca de centro e usando um dispositivo para centrá-lo. Faz-se o furo menor do que o devido e após isso, termina-se o furo com uma ferramenta de corte interno, deixando-o no caso com 8 mm de diâmetro. Dessa forma deve-se usar um pino para fazer o teste “passa-não-passa” se não, cada um sai de um diâmetro. Mesmo assim ao se fazer os pinos motrizes, eles devem ser feitos especificamente para cada roda, isto devido a cravação; o pino deve entrar forçado e para isso deve ter um leve diâmetro a mais do que o furo. Da ordem de 1 a 2 centésimos de mm. Para se conseguir isso em um torno mecânico se faz necessário o uso do ardil de usar um certo ângulo (da ordem de 3,5 graus) no carrinho superior do torno e usar o calculo do radiano para se tornear milésimos.

Mas com paciência se consegue, e assim foi feito. Fazer os pinos, ou seja, torneá-los é fácil, cravar nem tanto. Foi cravado usando-se uma morsa como prensa-pinos e uma arruela como espaçador, para o possível trespasse do pino na roda. Feito isso prende-se o pino na placa do torno, já cravado, gira-se com a mão a placa, a roda não deve bascular, mas se bascular, bata com toco de madeira até ela parar de bascular. Não estraga nada, dado que a pequena flexibilidade do pino permite isso.

Os pinos motrizes são feitos de aço 8620 ou 8640, ou melhor ainda de inox da linha 400. No presente caso, foram feitos 6 pinos em 8640, por possuírem roscas, e dois em inox 400 por não possuírem roscas e por ser o de maior esforço, é o pino mestre onde se conecta a biela que vem do pistão.

Agora é a vez das braçagens. Inicialmente deve-se fazer a braçagem provisória, isso para acertar a verdadeira distância entre os pinos motrizes. Acerta-se isso com limas redondas, faz-se duas ou três tentativas e depois se acerta. As rodas devem girar sempre soltas em qualquer posição das bielas (braçagem). Só então devem ser feitas as braçagens definitivas.

Chegou a hora de se fazer o truque dianteiro. Ele foi feito usando-se o desenho sugerido para truques do tipo ” Baldwin “.  Esse truque é composto de quatro rodas maciças. O mancal fica do lado de dentro das rodas, é parcialmente compensado, ou seja, tem um feixe de molas tipo lâminas de cada lado e quatro braçagens tipo asa de gaivota, sendo duas de cada lado dos mancais e a mola fica no meio das asas. O truque é todo montado, em peças de aço 1010, sendo estas parafusadas uma as outras. O truque está fixado ao langerão com um pino de aço 1045, uma bucha quadrada em bronze percorre um alojamento que dá ao truque um movimento parcial de vai e vem nas laterais, para centra-lo tem duas molas helicoidais.

O truque traseiro, já é do tipo fundido e não montado, possui duas rodas raiadas, as maiores, de duas maciças, as menores. Esse truque é do tipo “ Journal” ou seja: ele possui um dispositivo que altera a suspenção de toda a locomotiva quando ele entra em curva,  fazendo a locomotiva pender para dentro e evitando com isso que ela tombe para fora se estiver em alta velocidade. Para causar esse efeito a suspensão do truque é compensada, ela possui dois feixes de mola de cada lado e duas hastes que estão conectadas ao feixe de molas das rodas dianteiras do truque e essa haste se conecta ao feixe da última roda motriz.

Ao entrar numa curva o truque se movimenta em um ponto chamado de fulcro que está fixado no centro do langerão e a parte traseira rola sobre dois semi-cilíndros meio elípticos, e este forçam sempre o truque para que volte ao centro do langerão provocando o efeito desejado.

Os mancais dos eixos estão do lado de fora com relação ao langerão, portanto o inverso das demais rodas da locomotiva. Isso se prede ao facto de lá estar o cinzeiro da fornalha e ele ocupa espaço. Espaço esse que fica bem no meio do truque traseiro.

Agora chegou a hora de serem feitas as braçagens definitivas.  As braçagens compreende os puxa-avantes entre as rodas, e as bielas motoras e da distribuição. As braçagens são feitas de aço doce tipo 1010 ou 1020, e são embuchadas com buchas de bronze. Faze-las é fácil, difícil ajusta-las. Esse ajuste é devido a uma soma de erros de usinagem do qual não se escapa, a saber: os eixos estão montados em buchas que por sua vez estão pressionadas pelas molas da suspenção, a suspenção altera a posição do eixo, o eixo deve ter um pequeno jogo na direção axial, caso contrário a locomotiva não faria a curva, existe uma folga mínima entre a bucha do eixo motriz e o langerão, caso contrário este não bascularia, somando-se essas folgas, elas devem ser menores do que 5 centésimos de mm, se não for, a braçagem não gira, ela trava a roda.

O modo melhor de se ajustar essas folgas é se fazer uma bucha excêntrica da ordem de 3 centésimos de mm, e ao gira-la ela irá corrigir os erros existentes.

Terminado o serviço das braçagens chegou a hora de se usinar os blocos dos cilindros. Por ser uma peça fundida em areia, é necessário que se faça a operação usando uma ferramenta de corte com ponta de WIDIA, senão?! Para tanto é necessário que se construa um dispositivo dedicado somente a esse serviço. Como o Arnaldo Bottan já havia feito essa máquina à anos, perguntei a ele se ainda existia o tal dispositivo e realmente ele o havia guardado. Pedi emprestado, e ele me cedeu. Com isso ganhei muitas horas de serviço dado que esse dispositivo permite que se torneiem os blocos dos cilindros em um torno pequeno como o meu. O torno tem 400mm entre pontas e 120 mm de raio de torneagem.  Esse bloco é fundido em areia, e como tal tem defeitos intrínsecos, típico de peças fundidas em areia. É necessário ter um muito bom senso de mecânica para colocar essa peça no dispositivo e que por sua vez, será presa  numa placa de quatro castanhas independentes. O Bloco possui dois furos, um maior que é o cilindro motor o outro menor é o cilindro da válvula distribuidora. Um furo tem 41,2 mm de diâmetro e o outro 32 mm. Na hora de tornear se dá a preferência à tornear o furo maior, porém sempre levando em conta que existe o furo menor e que a distância entre centros é importantíssima. Para se ter uma ideia de como é difícil a coisa, para se tornear um desses blocos (são dois), leva-se de 16 a 18 horas de serviço. Na realidade se emprega dois a três dias dado ser cansativo o serviço. Devido ao peso da peça, ela precisa virar no máximo a 90 RPM. e com um avanço da ordem de 0,05mm por volta, isso para evitar que o torno vibre devido a peça ser assimétrica e ter um lado mais pesado do que o outro. O furo maior tem cerca de 80 mm de comprimento, faça o calculo e imagine cada passe de torno quanto tempo leva. Dá para tornear sentado dado que em pé cansa!

Torneados os furos, deve-se tornear as faces dos furos onde vão assentar as tampas, nesse ponto deve-se fazer a coisa sob medida dado que o comprimento do furo tem medida certa e está no desenho se errar pode jogar tudo fora. Agora se  torneiam as tampas dos cilindros e das válvulas. Essas peças são também fundidas em bronze. Devido a isso devem ser torneadas também com WIDIA.

As ferramentas de widia não dão o acabamento devido, a razão, eu não sei ? Faz-se necessário dar o ultimo passe com aço rápido. Outra razão é que a widia é meio rombuda no formato, se afiarmos ela quebra e piora tudo. As tampas têm um acabamento bem delicado e é cheio de reentrâncias e saliências. Feita todas as usinagens vem as furações e as roscas. Nesse modelo eu optei a usar rosca métrica de 2,5 mm e passo de 0,5. O desenho original pede rosca 7 BA, que é também 2,5 mm, mas, tem mais filetes e ângulo de 47,5 º, ao passo que as em mm tem um ângulo de 60 º. Aqui no Brasil a tendência é passar tudo para mm e eu estou de acordo. Se eu tivesse feito as roscas em BA eu teria que fazer os parafusos dado que aqui no Brasil eles não existem. E são muitos, cada bloco tem 27 parafusos, os dois 54. Não é mole fazer isso tudo no torno é mais fácil comprar pronto. Eu encontrei esses parafusos do tipo Allen em aço 8620, são ótimos.

Os furos das válvulas são encamisados. Cada furo tem duas camisas. Nessas camisas é que está um anel de furos quadrados com cerca de 3 mm de aresta, são 8 furos em cada camisa, dessa forma deve-se usinar 32 furos quarados e isso é bem difícil de se fazer. O melhor jeito encontrado foi furar com broca comum de 3 mm de diâmetro e usar uma lima-agulha de 1/8 de pol, (3,175 mm) usando-a como brochadeira.

As camisas têm 32 mm de diâmetro externo e 22 mm de diâmetro interno, e mais, tem uma franja com 36 mm de diâmetro e com espessura de 2,5 mm. Nessa franja é que vai ser parafusada  a tampa do alojamento da válvula. Tem uma tampa cega e uma com um tronco guia para manter o embolo da válvula alinhado.

É a hora de se fazerem as válvulas e os pistões. Válvulas e pistões são feitos de latão duro. São torneados a partir de tarugos com medida um pouco maior que o diâmetro final da peça. No Brasil só se encontra tarugos de latão com medidas em polegadas, o que de certa forma ajuda, dado que os desenhos também estão em polegadas.

Os anéis de segmento que existem tanto nas válvulas como no pistão são feitos de latão do tipo tombak, ou seja, é um latão feito para se conseguir trefilar tubos, isso devido a sua flexibilidade. O Tombak tem mais cobre do que zinco. O Latão comum do tipo duro tem normalmente 70% cobre e 30% zinco. O Tombak tem de 75 a 80% de cobre e de 25 a 20 % de zinco, isso o torna mais maleável e mais flexível sendo o ideal para se fazer os anéis de segmento. Os anéis devem ter um efeito mola para tentarem se expandirem dentro do cilindro e dessa forma vedar o melhor possível o espaço entre cilindro e pistão. O mesmo se dá com as válvulas que são do tipo carretel, isso mesmo, o formato delas lembra um carretel de linha antigo, e no vão central está a alta pressão que vem da caldeira e nas  franjas laterais possuem dois anéis do mesmo tipo de latão que vedam a alta pressão que está no centro do carretel. O atrito se dá entre bronze e latão, e é uma boa dupla, o desgaste de ambos é mínimo.

Terminada essa fase da construção, chegou a hora de colocar a locomotiva ainda sem a caldeira em funcionamento. Usa-se ar comprimido para colocar a máquina na distribuição correta. É um trabalho maçante. No desenho feito pelo Martin Evans ele indica um modo de se ajustar as válvulas de distribuição de uma forma e eu bolei um outro jeito de se fazer. As diferenças são as seguintes: O autor do projeto propõe colocar um pino e  uma arruela no êmbolo da válvula do lado da cruzeta que está conectada ao bielismo da distribuição, daí, vem a válvula em carretel e depois o embolo é rosqueado e nele está uma porca de ajuste. Para acertar o ponto certo do carretel ele propõe colocar-se arruelas lisas bem finas até chegar ao ponto. Isso dá um trabalho insano. Foi modificado usando-se duas arruelas bem grossas, da ordem de 7 mm de espessura na qual foi feita uma rosca de 3 mm e colocado um parafuso Allen sem cabeça de inox. Coloca-se o conjunto, arruela-carretel-arruela numa posição exagerada, tendendo para o oposto do trânsito da válvula, coloca-se a rodagem na posição correta da de inversão de fluxo, e com um pino de madeira vai se batendo na arruela de fora até a válvula ficar no ponto certo. Nesse ponto se desmonta as tampas, se empurra a válvula de um lado se trava o parafuso faz-se o inverso trava-se o outro e já está a máquina da distribuição perfeita. É muito mais rápido fazer isso. Depois se deixa rodar a máquina durante um bom tempo um novo ajuste se torna necessário. as peças ficarão brunidas e o bielismo irá se assentar. O movimento fica bem redondo.

Agora deve-se fazer a bomba d’água. Esta peça só existe nos modelos. As máquinas verdadeiras raramente as possui. Quando possui não é do tipo que é feito no modelo. Os modelos usam um excêntrico no eixo de uma das rodas; nesse excêntrico vai uma biela que aciona a bomba quando a locomotiva se desloca. A bomba é calculada para bombear mais água do que o necessário e tem um registro de retorno e a água volta ao tanque que está no tender. Dessa forma regula-se a quantidade de água de acordo com o gasto da caldeira.

Chegou a vez de se fazer os freios, ou melhor, todo o sistema de freios. Começa-se com a cuíca, que nada mais é que um cilindro feito de tubo de latão dentro do mesmo tem um pistão feito de latão no qual está inserido um anel de borracha (O ring) . Esse O ring deve vedar totalmente a água à qual será colocada sob pressão. A pressão dessa água é que moverá o pistão e este acoplado a um êmbolo puxará toda timoneria de freio da locomotiva.

O retorno da cuíca é por mola espiral de aço inox

Os freios dessa locomotiva são do tipo de “ sapata roçando as rodas motrizes”.

As sapatas estão suspensas em barras paralelas pivotadas na parte superior do langerão e na parte de baixo tem um travessão ligado a um tirante comum a uma sapata de cada lado, que é conectado ao êmbolo da cuíca através de um tirante regulável. Esse tirante tem uma rosca esquerda e outra a direita; ao girá-lo se ajusta a sapata à roda motriz. A cuíca é acionada pela água sob pressão da caldeira. O registro de controle é uma válvula de duas vias.

As sapatas nesse modelo foram feitas de fibra armada de fenolite(Celeron). Como a sapata representa 1/8 do diâmetro da roda, o melhor jeito de se fazer as mesmas é tornear um anel que se ajuste bem certo a uma das rodas na parte de dentro do anel. Do lado de fora se faz o rebaixo exato para que se encaixe no suporte da timoneria do freio. Ao secciona-la em 8 partes iguais já teremos as sapatas prontas.

Fazendo a caldeira. A caldeira eu reputo a parte mais difícil de ser feita pelo modelista. Isso devido a duas coisas, a saber: o peso é excessivo para um modelista já com idade e portanto, com diminuição da tonicidade muscular. Equipamentos necessários a se fazer a soldagem da mesma. A caldeira desse modelo pesa cerca de 28 Kg.

A opção escolhida, foi faze-la em cobre. Como no Brasil não se fabrica mais tubos de cobre com diâmetros acima de 10 cm , foi necessário calandrar uma chapa de 3,2 mm de espessura soldar a emenda, usando-se o ardil de se rebitar a priori uma cinta sobre a emenda. No jargão de caldeireiros ou funileiros essa peça se chama “ bacalhau”.

O tubo da caldeira tem 14 cm de diâmetro e 48 cm de comprimento. A coberta da caldeira, que tem na parte superior o diâmetro da caldeira e na inferior uma leve abertura de forma quase reta até o cinzeiro. É feita de chapa de 3,2 mm com 22 cm de comprimento e um perímetro de 44 cm. No interior dessa peça (capela) está a fornalha, que também é feita de chapa de cobre de 3,2 mm. A fornalha tem na parte frontal uma chapa que se chama espelho, e é a parte onde estão alojados os tubos de fumo. A tubulação é constituída de dois tubos de 25 mm de diâmetro com 1,6 mm de parede e mais 20 tubos de 13 mm com parede de 1 mm. Na parte frontal tem o espelho de fumo que a furação é igual ao do espelho da fornalha. As fotos podem ilustrar melhor como é feita a caldeira.

Para a soldagem da caldeira foi usada solda a prata com teor de 30% prata, 5% cádmio,  20% de zinco e 45% cobre.

Soldar foi uma novela. Devido ao volume (cerca de 20 litros) e o tamanho, foi necessário ao seu aquecimento, que ela fosse colocada sobre uma forja queimando carvão de lenha. Usaram-se dois maçaricos tocados a gás tipo GLP e ar comprimido, para se derreter a solda no local exato que se fazia necessário. Dois soldadores, o Arnaldo Bottan que possui as ferramentas e o autor como modelista e o possuidor da peça. Foram usadas 350 gr. de solda a prata. A escolha desse tipo de solda se dá por ser a solda a prata de menor ponto de fusão.

Para que a solda escorra bem como se fosse estanho, é necessária uma temperatura da ordem de 700 º C em toda a caldeira. Isso dá uma irradiação enorme e devido a ela ser grande, e isso restringe o tempo do soldador. E se insistir em ficar soldando direto você se queima.

Existe uma grande diferença entre se fazer a máquina em si, ou seja, o material rolante e o sistema de cilindros, fazendo todo o mecanismo funcionar e a caldeira. A caldeira, podemos considerar como uma escultura, ela é toda moldada sobre moldes feitos de aço 1010. No caso foi usada chapa com 10 mm de espessura para moldar as partes.

Essas partes são parafusadas uma às outras, acertadas as emendas, passa-se fluxo de solda entre elas, substituem-se parte dos parafusos e porcas por rebites, dai então levamos para a soldagem. O fechamento final da caldeira é a fase mais difícil. Ai se deixam os parafusos.

A parte mecânica, embora trabalhosa, é feita em torno e em fresadora e montada. Todas as peças têm medidas com precisão milimétrica. Ao passo que a caldeira tem precisão centimétrica. É feita a mão. Recortam-se as partes em serra de fita, a chapa deve ser recosida até ao rubro, esfriadas, repuxam-se as beiradas com um martelo de madeira dura, acertam-se as beiradas na lixadeira e as vezes na lima bastarda, dai então começa-se a montar como já dito anteriormente.

É um trabalho muito cansativo e de certa forma imperfeito dado que, ao soldar-se, as partes se dilatam e nem sempre voltam a mesma dimensão, dessa forma a peça fica ligeiramente diferente do que as medidas primárias imposta pelos moldes.

Terminada a soldagem das partes com solda a prata, vem a soldagem dos tirantes que é feita com estanho e chumbo  40% estanho e 60% chumbo. Os tirantes ou estais são feitos de cobre, porém, com roscas, que é o que dá a rigidez mecânica, o estanho somente serve como vedante das roscas. Terminada essa operação a caldeira vai a teste hidráulico.

Enche-se d’água sem deixar bolhas e coloca-se uma pressão que deve ser o dobro  da pressão de trabalho; no caso 150 PSI (libras por polegada quadrada) ou 10 Kg/cm2 ; (dez quilos por centímetro quadrado). Pressão de trabalho 60~70 PSI, ou 6 Kg/cm2 .

Se surgirem vazamentos, eles serão retocados com estanho. Está pronta a caldeira, agora vem a isolação térmica que no caso foi optado se usar madeira de baixa densidade. Nesse caso específico usou-se abeto argentino tirado de caixotes de frutas que vem daquele país.

Fazendo os “fitting” ou em português acessórios, como: registros, válvulas de retrocesso, nível d’água, válvula do apito, sistema de controle de velocidade, conhecido como regulador. Todas essas peças são feitas em latão torneado. Os registros para o controle de: descarga, ventilador e injetor, são feitos com o eixo principal em aço inox 306 e as demais partes em latão. As gaxetas são de: algodão hidrófilo e graxa de silicone. As válvulas de retrocesso possuem uma esfera de alta esfericidade (perfeita) feita de inox 316.

As demais partes são em latão. O nível d’água é todo em latão e vidro boro-silicato de 5mm de diâmetro. O sistema do regulador é também todo em latão, porem têm um êmbolo de inox 306 e uma camisa interna de teflon; dessa forma nunca cola o tubo de latão ao êmbolo, devido à camisa de teflon. A alavanca de controle do regulador é também de latão, bem como os munhões.

Outra peça que pode ser considerada “acessório”, é o ventilador, que além de ventilador é a descarga dos cilindros motores. É uma peça bem elaborada; tem dimensões exatas e mais, possui três bicos injetores com orifícios com 0,6 mm de diâmetro, e mais, é oca por dentro. Não é nada fácil de ser feita. Existe, na caixa de fumaça, um Venturi, que os ingleses chamam de” Petit Coat”, é a entrada da chaminé, é outra peça difícil de ser torneada. Seu perfil é uma parábola. A porta de inspeção na frente da caixa de fumaça é outra obra de arte, isso devido a sua dobradiça toda especial e ainda suas 12 tramelas fixadas com 12 parafusos e porcas com 1,6 mm de rosca.

A fixação da caixa de fumaça aos cilindros é mais um lindo trabalho. São 30 parafusos e porcas com 2,4 mm na rosca. Fazer coincidir 60 furos não é nada fácil, quando a peça é cilíndrica.

Nesse ponto chegou a hora de montar a caixa do cinzeiro e a grelha da fornalha. O cinzeiro foi feito em chapa de latão dobrada de soldada à prata. A grelha é de longarinas com perfis em trapézio feitos de inox 304.























Beneficiamento de Grãos



Agromodelismo

Muitos modelistas nunca ouviram falar desse termo na língua portuguesa, e estão certos, quem o está introduzindo sou eu, Edmar Mammini pela primeira vez no Brasil.  Quem propôs e realmente inventou esse nome foi um senhor argentino de nome Oscar Hernandez porém em língua espanhola e eu o adotei em português dado que são línguas irmãs e têm muitos termos idênticos e com o mesmo significado. O Senhor Hernandez fez uma colheitadeira em miniatura e é operacional. Assim diz ele. Deve cortar capim! 
Eu ao terminar de fazer uma máquina de beneficiar grãos, achei por bem publicar meu trabalho.

Como já tinha feito a anos... (1998) um trator agrícola e na época o classifique como uma das máquinas a vapor de minha coleção e que estava no sítio “ Ferrimodel” cheguei a conclusão de fazer um novo sítio no qual incluirei um locomóvel, um trator agrícola, a beneficiadora de grãos e uma serra para desdobra de toras. Que sem dúvidas são máquinas agrícolas. Que é este aqui. 
O locomóvel foi usado para devastar as nossas florestas era a máquina motriz das serrarias clandestinas que devastaram o país desde 1850 até nossos dias. Ainda existem algumas em funcionamento. O trator é uma máquina tão notória que creio não necessitar explicações de sua utilidade. 
O presente artigo tem a finalidade de explicar o que é uma beneficiadora de grãos. 
Foi inventada na Escócia em 1784 por um (engineer) maquinista ou para alguns, engenheiro, para outros, dos que constroem engenhos. As vezes engenhocas, no caso uma “ Thrashing Machine” que com o tempo mudou para “Threshing Engine” e atualmente chamam em inglês de “Thresher” . Quero lembrar o leitor que a Escócia fica ao norte da Grã Bretanha, ao sul fica a Inglaterra e todos por lá falam inglês. 
Antes do advento dessa máquina os cereais eram beneficiados à mão. Arrôs, Trigo, Centeio, Milho, Cevada..... e por aí vai. A primeira máquina era acionada por dois cavalos que ficavam girando em um giral com uma canga na espalda atrelada a um eixo motor que dava movimento à máquina. Assim ficou por quase um século. Com o advento da máquina a vapor, no caso o locomóvel e posteriormente o trator, a máquina passou a funcionar por uma correia que ligava o rotor da mesma a uma polia de uma máquina a vapor. Nesse período também apareceram máquinas de beneficiar acionadas por rodas d’água. Estes tipos de máquinas eram fixas e a seara deveria ser levada até o local de beneficiamento.   
No Brasil, a maioria das máquinas de beneficiar, eram tocadas com rodas d’água, sobremaneira nas fazendas que produziam café. A água já fazia parte do tratamento do grão de café. 
Locomóveis no Brasil só foram usados em serrarias, engenhos de açúcar e álcool , lógicos algumas exceções deveriam existir. Moinhos de trigo e pastifícios também usaram muito o locomóvel ou uma máquina fixa.
A máquina que vou descrever é uma máquina móvel, tracionada por trator e também acionada no beneficiamento por um trator a vapor. O trator é uma réplica de um trator inglês de 1912 e a máquina também inglesa é de 1926. A grande vantagem desse conjunto é que o trator usava a palha e os talos das colheitas para queimar na fornalha . O mesmo se dava nas serrarias onde serragem, costaneiras e cascas eram queimadas para gerar o vapor. Nas atuais usinas de açúcar e álcool o bagaço da cana é queimado para gerar vapor para tocar toda a usina.  
A razão da escolha de máquinas inglesas se prende ao fato de somente na Inglaterra se encontra desenhos dessas máquinas já adaptados ao modelismo. Embora muito semelhante às máquinas reais certos detalhes e tamanhos já foram testados por eles.
Dessa forma não se faz necessário reinventar a roda. 
Os desenhos foram conseguidos em uma firma de modelismo chamada “REEVES”, fica em Birmingham , Inglaterra. As partes que foram necessárias serem fundidas em bronze foram fundidas pelo modelista emérito Arnaldo Bottan.
As partes feitas em madeira foram feitas de peroba, peroba centenária, tirada da demolição de antigas mansões do bairro dos “ Campos Elíseos” em São Paulo, Capital. É peroba rosa e com o tempo fica de cor entre marrão claro com tons roseados. Não possui estrias, o que dá uma autenticidade sem par a peça. A máquina foi toda envernizada para fazer sobressair a madeira. As partes metálicas foram pintadas de cor de Zarcão.  
Uma máquina de beneficiar grãos é regulável para poder beneficiar alguns tipos de grãos, nem todos grãos a mesma máquina consegue, mas em geral, metade do que se beneficia ela faz. 
Uma máquina de beneficiar é composta de um rotor que é feito de 4 a 6 discos maciços que fixam barras estriadas, giram entre 500 a 1000 RPM . Em volta do rotor existe um pente côncavo, este é ajustável sobre o rotor, não podendo contudo roçá-lo, essa distância define em parte o tipo de grão.
Através do pente côncavo traspassam os grãos já separados dos talos e palhas, mas alguns (40%) ainda com a casca. O rotor em seu movimento joga tudo em cima de 4 grelhas móveis feitas também em madeira e estas jogam os talos e parte da palha para fora da máquina. Um ventilador também ajuda nesse serviço, ele sopra entre as grelhas e o primeiro jogo de peneiras . Essa peneira deve ter o furo de acordo com o tipo de grão que se quer que atravesse a peneira. A peneira está ligada a duas bielas que vão ter a um girabrequim que transformam o movimento giratório em movimento de vai-e-vem. Dessa forma, o grão alem de passar, roça pela peneira, ajudando a tirar o que ficou de casca aderida. 
O mesmo ventilador joga para fora da máquina as cascas que se soltaram. Os grãos caem um uma segunda peneira, fazendo o mesmo processo, ai também mais cascas são retiradas e expelidas para fora. 
A segunda peneira despeja os grãos em um elevador de caçambas que eleva os grãos e os deita em um dispositivo chamado de “Chobber”; sem tradução para o português. O Chobber consiste de uma peça metálica cônica onde dentro possui uns pentes que passam raspando nas paredes.
Esses pentes tiram as películas que envolvem os grãos. A partir daí o grão já está beneficiado e é levado por arraste de uma rosca sem fim a uma peneira circular que separa o que tem ainda casca do grão limpo, o limpo vai para as ensacadeiras e o com casca volta à primeira peneira e recomeça o beneficiamento. Existe um segundo ventilador nesse estágio que expele as películas para fora da máquina. 
O modelo foi feito na escala de 1:8 . As partes metálicas como eixos e virabrequins foram feitos de aço 1045. Mancais e  polias em bronze comum.
Os mancais são todos com rolamentos de esferas, dando a máquina um rolar muito suave. A chaparia, ventiladores, caçambas , prisioneiros , porcas, parafusos, aro das rodas, bicas de ensacagem, manivelas, dobradiças e demais, foram feitos em latão.  A pintura foi em primer de poliuretano, e tinta nitrocelulose. 
As armações das peneiras foram feitas em abeto compensado de origem americana. A razão disto se prende ao fato de ser a madeira de menor densidade e maior robustez, as peneiras vibram o tempo todo e devem ser bem leves e robustas.
A peneira metálica é de alumínio. As grelhas são de pinho tipo araucária. As demais partes como já mencionado em peroba rosa. As rodas merecem um comentário particular. No desenho existem duas possibilidades de se fazerem as rodas, ou em metal ou de madeira como são as de carroça, e essa foi a minha opção. 
O que me levou a fazer essa máquina foi a vontade de diversificar minha coleção de modelos.
Comecei fazendo aeromodelos, passei a fazer barcos devido a quebra incessante dos aeromodelos, os barcos, comecei a fazê-los tocados a vapor, me encantei com as máquinas a vapor, passei a fazê-las fixas, trator, locomóvel, locomotiva, e passando a me tornar um vaporista. Para complementar o trator agrícola, fiz a máquina de beneficiar grãos. Os dois formam um conjunto muito bonito  e pertencentes ao inicio do século XX.

Quem se interessar mais por máquinas de beneficiamento de grão pode entrar no Google e verificar o que há. No Google em inglês digite “ Thresher” e lá está toda a história dessa máquina que possibilitou a existência de uma agroindústria e sem a qual seria impossível alimentar o mundo atual. 
As fotos e o desenho esquemático dão uma idéia bem boa de como é essa máquina.







domingo, 28 de agosto de 2016

Modelismo - Introdução



O modelismo está longe de ser um passatempo insensato, ele é exatamente o contrário. É uma atividade prática, educadora e que leva o praticante ao prestígio e à dignidade de uma ciência especializada. Seu objetivo é ilimitado e suas ramificações são incontáveis.
O modelo de uma locomotiva a vapor é a reprodução em miniatura da verdadeira em cada detalhe. Observe a distribuição Walschert, os demais comandos como os controles, o "manifold", e etc. Observe um barco a vapor, seja ele de guerra ou um simples pesqueiro, e funcionando com um motor a vapor feito pelo próprio modelista. Modelos que alcançam a velocidade em escala e com um motor que o girabrequim foi feito com uma única peça de aço torneado e retificado. Horas de trabalho! Deveríamos achar um novo nome para isso. A expressão modelismo é pouco para isso tudo. O mais exato seria chamarmos engenharia de modelos ou então de engenharia das miniaturas.
A construção de um modelo de locomotiva envolve uma infinidade de conhecimentos, e a pessoa que se propõe a fazê-lo deve ser capaz de entender engenharia mecânica, conseguir entender os desenhos mais complicados que existem e, além disso, reproduzi-los em escala diminuída. Além disso deve ser um exímio torneiro mecânico e ajustador. Por esta razão nem todos os modelistas podem construir uma locomotiva ou assemelhado. Nesta última frase está resumido o valor real do modelismo, que é presente em si mesmo e que seu valor educativo se mostre manifesto.
A pessoa que pratica o modelismo e que faz barcos, aviões, locomotivas tratores, etc. acaba por estender seus conhecimentos e experiências muito além daquilo que ele mesmo acredita. A experiência fez dele um artífice melhor quase um artista.
Em muitos casos a operação do modelo e os princípios que regem seus movimentos foram estudados a fundo pelo modelista. Por exemplo: a pessoa resolve fazer uma máquina a vapor do tipo naval, de onde ele vai começar? Lógico! Estudando ela toda, e seu funcionamento, até que ela domine cada componente ou item de funcionamento da mesma. A partir daí a pessoa fará o desenho definitivo, fará os moldes de fundição, a fundição em si e a partir daí começará a tornear as peças. Precisão e acuidade visual são essenciais para se tornear com precisão, e a habilidade no uso do torno é a essência do trabalho.
Finalmente a máquina ficou pronta. O modelista se sente realizado. Ele está totalmente satisfeito com seu próprio trabalho; põe a máquina a funcionar em cima da bancada da oficina e fica a pensar: "O que eu consegui com isso?" A resposta é a seguinte: ele conseguiu se realizar dentro daquele pensamento de alma modelística que apenas alguns conseguem chegar. A pessoa passou a se realizar através do modelismo, ela a partir de então vai conseguir pensar em termos modelísticos - tridimensão - e não de modo simplista e em duas dimensões.
Depois que uma pessoa se dispõe a aplicar horas a fio, dias e até anos na construção de modelos de certos tipos, a peça que ele fez passa a não ter preço, o valor da obra passa a ser secundário. A razão disso foi que ele fez aquilo por gosto próprio e não por dinheiro. É difícil explicar ao não modelista como o modelista olha a sua obra, como ele gosta dela. Ele não se cansa de ficar olhando a própria peça, é o que se resolveu chamar de período de contemplação. Essa emoção não deve ser confundida com imaturidade, típica na juventude, mas sim como a emoção que alguém sente por alguma coisa que se ama realmente.
O modelismo em todo o mundo carrega consigo uma relação próxima e desairosa com os brinquedos para crianças, o que é um grande erro, somente na Inglaterra essa diferença é notada. Não existe comparação mais humilhante para um modelista do que ser comparado a um imaturo, a um crianção que fica a brincar com seus modelinhos. A pessoa que avalia um modelista dessa forma é que é na realidade um imaturo. Essa pessoa sequer tem condições de separar alhos com bugalhos. Em geral são pessoas de baixo nível cultural e desprovidas de avaliação; que confundem uma obra de arte com uma peça de produção industrial.
Espero que esta página do site sirva de estímulo a todos aqueles que gostam de modelismo e que as pessoas menos afeitas a essa ciência passem a dar mais credo e consideração aos aficionados.

Modelismo Naval

Cabo Branco

Este é o nome de um barco de pesca de bandeira portuguesa dos anos 20/1920. Este tipo de barco é conhecido na língua inglesa como "Trawler", não tem tradução para nossa língua. É um tipo de barco que arrasta a rede de pesca sozinho, e para tanto, dispõe de uns arcos nas suas laterais através dos quais lança, arrasta e recolhe a rede. A rede é de malha média e sua profundidade pode ser pré-determinada e possui ainda duas paravanas ou portas de pesca que abrem a boca da rede. Foram construídos para pescar no mar do norte (Atlântico), sua meta é a pesca de Bacalhau, Arengue, Cavala e com a rede roçando o fundo, pescar Linguado ou Sola.


Esse tipo de embarcação é do tipo mais robusto que se conhece, a ponto de alguns Trawlers ingleses terem sido transformados em Corvetas na guerra de 1939/45. São feitos para aguentar mar grosso. O barco em tela é um modelo de um original e existe um similar no Museu Naval de Lisboa e de onde provieram os desenhos. O modelo do museu é feito de madeira e é estático, ou seja, não tem condição de navegar.



O barco real era um projeto inglês, construção alemã, propriedade e bandeira portuguesa. Pertencia a “Companhia Commercial e Marítima” porto de registro: Lisboa. O original tinha 40m de comprimento; 7m de boca e 3,4m de calado; para barco de pesca, já é tipo mais para grande do que médio, para a época era dos grandes. Possuía motor a vapor do tipo tríplice expansão, e caldeira do tipo “Scotch” (wet back) e queimava carvão mineral (hulha ou antracite).





A escolha do modelo: Ela se deu por amor a primeira vista. Visitando o museu português que fica em Lisboa no convento dos Jerónimos, tive um impacto emocional ao ver um modelo muito bem feito e com características tão diferenciadas dos demais, à primeira vista ele é esquisito mas chama a atenção tanto pelo estilo incomum como pelas cores berrantes ou chamativas que possui. 
É cheio de detalhes como nenhum outro. Ao pedir os desenhos ou plantas, fiquei abismado ao vê-la, tinha lá todo o detalhamento necessário a se construir uma nova peça. Fiquei remanchando anos até me por a serviço para a execução da nova obra. Certo dia ao ver uma revista francesa, me deparei com um modelo todo feito em latão, em chapa de latão repuxada, e com rebites, não tive dúvidas, pensei com meus botões, é assim que vou fazer o Cabo Branco. Não deu outra 



O modelo está na escala de 1:28,5; porque? Acredito ser uma medida portuguesa, pois nada tem a ver com polegada e suas frações, na planta está escrito assim; "Vapor de pesca Cabo Branco" Escala 1m = 35mm e isso dá essa escala. E eu fiz o modelo nessa escala. Nessa escala o modelo ficou com 1,43 m de comprimento, 25cm de boca, com um deslocamento de 18kg, em média, devido ao consumo de água e gás.



O modelo foi todo feito em chapa de latão repuxada sobre molde de madeira, foi usada chapa de 0,45mm de espessura, as chapas foram unidas entre si seguindo norma de construção naval real, como se fosse toda rebitada, e de fato é. Para a montagem, as secções que compõem o casco foram soldadas a estanho entre si, isso com ferro de 200W (tipo machadinha) e posteriormente rebitadas e novamente aquecidas para que a solda aderisse aos rebites, o excesso de solda foi removido com escova de aço bem macia de forma que desbastasse o estanho sem agredir o latão.



Todo o modelo foi construído na minha oficina em São Paulo, comprado pronto, foram: as chapas de latão, alguns perfis, o tubo da chaminé e os rebites, do mais, com exceção do manômetro da caldeira e o equipamento de rádio controle, tudo foi feito, peça por peça, até certos perfis foram laminados ou trefilados, um deles foram os sextavados de onde foram torneadas as porcas e parafusos, é de 2mm de chave, não existe no mercado especializado, no Brasil o menor é 3,2mm, na França 2,5mm.



Foram usados um pouco mais de 14.000 rebites na confecção do casco e cerca de 2.000 na superestrutura e acessórios. Nas ferragens dos mastros tem cerca de 100 parafusos de 1mm (rosca Löwenhertz) e cerca de 150 porcas de 1mm (mesma rosca) com chave de 2mm, que tiveram que ser feitos na oficina. Os rebites na realidade não são rebites mas contatos de relês ou de circuitos impressos, possuem um corpo levemente cônico que varia de 0,9 a 1mm e a cabeça variando entre 1,1 e 1,2mm de diâmetro. Coloca-los foi uma tarefa que levou 9 meses de labuta e muita paciência. Foram estragadas 22 brocas de 1mm para se fazer os milhares de furos. O modelo assim como o original é a vapor, só que possui uma máquina de simples expansão com dois cilindros, distribuição "Stephenson" válvulas a gaveta, girabrequim de duas manivelas a 90º com 6mm de diâmetro, cilindros com 16mm de diâmetro e 16 de curso.



A caldeira é do tipo "Yarrow" com tubos cruzados e queima gás liquefeito de petróleo. Rádio controle de 6 canais assim distribuídos: 1 - leme, 2 - velocidade, 3 - apito, 4 - luzes, 5 - controle de chama da caldeira, 6 - reversão da máquina. Tanto a máquina como a caldeira foram feitas em minha oficina. O convés é de madeira Pau-Marfim, os mastros idem, porém em Peroba Rosa, o bote salva-vidas em Imbuía, os corrimãos, caixilhos e molduras em Cabreuva.



O modelo possui iluminação operando em 1,5V, que é a voltagem da menor lâmpada que existe, cerca de metade de um grão de arroz. As que usam os relógios "Casio" digital. A pintura foi toda com Washprimer, Primer e Tinta Nitrocelulose. O hélice em bronze, o eixo motriz em aço inox 304, túnel e retentores em latão. Todo esse trabalho foi feito em 2 anos e 8 meses. As horas dedicadas? Não tive a pachorra de anotar, mas garanto que foram muitas. Cerca de 4 horas por dia de trabalho.



O nome e as cores do modelo são as mesmas do original. Com esse modelo agora já operacional o modelismo naval brasileiro chega a se igualar aos melhores do mundo, e em nada deixando para os demais. Existem modelos com o mesmo acabamento porém não navegam, existem modelos a vapor com a mesma qualidade de máquina, mas sem esse acabamento, que seja de meu conhecimento, não há no mundo com esse acabamento e com esse tipo de máquina.


O modelo possui ainda um kit para transforma-lo em modelo de tração elétrica, dessa forma ele pode participar de concursos de barco a vapor, de barco elétrico e ainda de estático, é só remover os motores. A qualidade de navegação é muito boa, aceita todas as manobras que o real faria. Tanto no vapor como na bateria sua autonomia é de cerca de uma hora, se reabastecido navega o tempo que se quiser devido à ótima qualidade de seus maquinários. É uma verdadeira peça de museu.

- Edmar Mammini -

sábado, 27 de agosto de 2016

As Bitolas em uso no Ferreomodelismo



Bitolas pelo Mundo

Muitos acham que só existem algumas bitolas espalhadas pelo mundo, errado, existem uma infinidade delas, por que? realmente é difícil de responder, talvez nem mesmo quem as inventou sabe porque escolheu aquela medida.

A bitola mais usada no mundo e que é a de 1,435 m na realidade é “ 4 pés, 8 polegadas e meia, teve seu inicio na Inglaterra e sua medida foi escolhida a partir das trilhas deixadas pelas carroças e coches da época, fins do século XVIII.

Essa bitola é também a usada pelos USA desde o início da formação de sua rede ferroviária.

Os demais países do mundo foram infestados por diversas bitolas usadas a partir de algum conceito que não sei bem porque.



A bitola determina o raio das curvas, mais estreita a bitola mais estreita a curva também, tendo em vista que os trens têm os eixos consoles - não tem diferencial nas rodas - quando entram em curva a tendência seria uma roda arrastar a outra, parece piada mas não é, o que realmente acontece é que foi bolado um sistema muito interessante, um verdadeiro ardil para se contornar esse problema. É a comicidade das rodas, isso mesmo, todas as rodas dos trens são cônicas, salvo algumas locomotivas a vapor que têm duas rodas sem franja e são cilíndricas são as Santa Fé e as Mountain.

As demais são cônicas para compensar o deslizamento nas curvas. A coisa funciona assim.... o trem ao entrar na curva tende a encostar a franja da roda no trilho de fora da curva, e esse trilho é mais longo que o de dentro, em compensação a roda gira sobre o trilho no seu diâmetro maior e o inverso acontece com a roda oposta ela está no trilho mais curto mas em compensação gira no diâmetro menor. Por isso devem ser cônicas. Deu para entender?

Um pequeno arraste sempre existe e isso consome a energia das locomotivas e gastam trilhos e rodas.

Em terrenos muito acidentados resolveram fazer a bitola estreita para diminuir o raio das curvas e diminuir o efeito de arraste e diminuir a força jogada fora . Prova disso é que as locomotivas de bitola estreita derrapam menos que as de bitola larga ao darem a partida quando estão em curvas.
Daí começou a parafernália. Existem infinitas medidas de bitola, mas vamos nos fixar somente no que sobreviveu até nossos dias. Embora as vezes usadas em ferrovias turísticas.  Veja tabela a seguir:


BITOLA
PAÍSES

(mm)




1
305
País Europeu
2
381
Inglaterra
3
457
USA, Inglaterra
4
500
Alemanha
5
508
Inglaterra
6
600
Brasil, Chile, Bulgária, Alemanha, Iugoslávia, Polônia, Romênia, Rússia, Argélia, Angola, União Sul Africana
7
610
Venezuela, Brasil, Índia, Austrália
8
700
Cuba, Porto Rico, Java
9
750
Argentina, Guatemala, Paraguai, São Domingos, Alemanha, Finlândia, Noruega, Polônia, Romênia, Rússia, Turquia, Egito, Indonésia
10
762
Brasil, Chile, Cuba, Bulgária, Checoslováquia, Iugoslávia, Áustria, Romênia, Hungria, Egito, Gana, Nigéria, Serra Leoa, Ceilão, Índia, Japão, Coréia, Paquistão, Taiwan, Austrália
11
785
Dinamarca, Polônia
12
891
Suécia
13
900
Alemanha
14
914
Guatemala, Hawai, Honduras, Canadá, Colômbia, Cuba, México, Panamá, Paraguai, Peru, São Salvador, USA, Venezuela, Finlândia, Irlanda, Moçambique, Malásia
15
950
Itália, Eritréia, Líbia
16
965
Antiga Estrada de Ferro Ituana – Brasil
17
1000
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai, Bélgica, Alemanha, França, Grécia, Iugoslávia, Luxemburgo, Polônia, Portugal, Suíça, Espanha, Rússia, Hungria, Abissínia, Egito, Argélia, Angola, Quênia, Congo, Madagascar, Sudão, Tanganica, Togo, Tunísia, Uganda, Burma, China, Índia, Iraque, Malásia, Paquistão, Tailândia, Vietnã, Austrália
18
1050
Argélia, Arábia Saudita, Israel, Jordânia, Líbano, Síria
19
1067
Chile, Costa Rica, Equador, Honduras, Canadá, Terra Nova, Nicarágua, Venezuela, Noruega, Suécia, Angola, Gana, Camarões, Quênia, Zaire, Moçambique, Nassa, Nigéria, Rodésia, Sudão, União Sul Africana, Tanganica, Bengala, Indonésia, Japão, Malásia, Taiwan, Austrália, Nova Zelândia
20
1100
Brasil(Passado)
21
1109
Brasil(Passado)
22
1220
Brasil(Passado)
23
1229
Metro Americano
24
1350
Bonde de Santos
25
1435
Argentina, Brasil, Chile, Jamaica, Canadá, Colômbia, Cuba, México, Paraguai, Peru, Trinidad, Uruguai, USA, Bélgica, Bulgária, Checoslováquia, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Itália, Iugoslávia, Luxemburgo, Noruega, Áustria, Polônia, Romênia, Suécia,  Suíça, Turquia, Egito, Argélia, Marrocos, Mauritânia, Tunísia, China, Arábia Saudita, Iraque, Irã, Israel, Japão, Coréia, Líbano, Mongólia, Síria, Austrália
26
1524
Panamá, Finlândia, Polônia, Rússia, Irã
27
1600
Brasil, Irlanda, Síria, Austrália
28
1665
Portugal
29
1674
Espanha
30
1676
Chile, Argentina, Brasil(Passado), Ceilão, Índia, Paquistão
Neste artigo tudo está em sistema métrico, mas as bitolas não são métricas com exceção da de 1,00 m, as demais são em polegadas, por isso foram arredondadas para o sistema métrico, partindo do princípio que nós brasileiros conhecemos pouco o sistema inglês de medidas.Esperamos com isso elucidar o porque que a maioria dos modelos de trens não têm escala conhecida . Lembre-se , existem padrões para bitolas de modelos mas não existem padrões para bitolas dos trens verdadeiros, é uma miscelânea incompreensível.

Muitos alegam que era uma medida de segurança nacional, os trens de um país não transitar nos trilhos dos outros, a Europa do século XIX era uma mixórdia só. Sem dúvida a bitola da Rússia evitou a invasão alemã, a russa era e ainda é  1,524 m e a alemã é 1,435m. Será que foi realmente isso?As bitolas mais conhecida dos modelos de trens a vapor são as seguintes   7 e ¼ polegadas ou 184,15 mm; 5 pol. ou  127mm ; 3 pol ½  ou  88,9 mm ; 2 pol 1/8 ou 53,97mm ; 1 pol ¾  ou 44,45

Para modelos de trens com tração elétrica temos a bitola conhecida como Standard ou 2”1/8 ou +ou – 54mm ;  Bitola  LGB  = 1”3/4  ou +ou – 45mm ; bitola Zero ou Ó ou 1” e ¼ ou +ou - 32 mm ; temos a mais conhecida atualmente é a HO ou 16,5 mm e ainda a N com 9 mm e a Z que tem 6 mm.

As bitolas mais reproduzidas em modelismo a vapor são a 1,435m e a métrica, quando usamos a 1,435 usa- se a escala de 1:16 e quando é métrica usa- se a 1:12. Na realidade não dá essa conta exata mas usa- se  esse padrão como a escala mais próxima da realidade e a mais factível. Para modelos comerciais a escala nem sempre é considerada, o padrão HO acho que é o único a ser respeitado , normalmente é de 1:87 para a bitola de 1435mm e de 1: 60 para a bitola de 1 m (métrica). Raro de encontrar, mas tem.

Os trenzinhos da Lionel nunca tem uma escala compreensível, as vezes uns vagões estão em uma escala e as locomotivas em outras, já perguntei para experts no assunto e nunca me souberam explicar.

- Edmar Mammini -